Brasileiro precursor do "Walkman" explica inspiração para criar o tocador
José Paulo Lacerda/Divulgação
Andreas Pavel, 69, participa de evento sobre inovação, realizado pelo Senai, em São Paulo; Pavel é conhecido como "pai do Walkman" por ter feito um protótipo do aparelho antes da Sony"
O engenheiro germano-brasileiro Andreas Pavel, 69, inventou no fim da década de 70 um aparelho chamado Stereobelt, que transportava a experiência de som que tinha em casa para um nível portátil. A patente do aparelho saiu em outubro de 1978 e foi apresentada a várias empresas, entre elas a japonesa Sony Electronics – que recusou a ideia. No ano seguinte, a companhia lançou um dos dispositivos portáteis de maior sucesso: o Walkman.
A linha de dispositivos Walkman (com rádio e fita cassete) foi fabricada pela Sony até 2010. Nesses quase 31 anos no mercado, foram vendidas mais de 220 milhões de unidades.
Pavel se sentiu injustiçado com o aparelho da marca japonesa, que tinha várias características do Stereobelt, e processou a Sony. A briga durou mais de 20 anos e em 2004 o "pai do Walkman", como ficou conhecido após o processo, fez um acordo milionário com a companhia.
"Quanto ao valor, não posso falar, pois o contrato impede. Porém, li em alguns jornais que foi algo superior a US$ 10 milhões", disse, brincando, em entrevista ao UOL durante um evento sobre inovação do Senai, realizado em São Paulo.
Pavel se divide entre São Paulo, Milão e trabalhos de pesquisa na Universidade de Aachen, na Alemanha. Em entrevista ao UOL, por telefone, Pavel falou sobre a tentativa frustrada pela Sony de vender o Stereobelt, sobre o advento da música digital e o seu projeto de telefonia 3D.
UOL Tecnologia: Como foi a criação do Stereobelt, o "precursor" do Walkman?
Andreas Pavel: Minha casa em São Paulo tinha uma acústica ótima e sofria, pois não conseguia levar esse som comigo. Comecei a procurar o melhor suporte, que na época era a fita cassete, e o melhor emissor de som, no caso o fone de ouvido, para minha criação.
Tenho três patentes: uma (que originou o Walkman, da Sony), outra de um tocador portátil de alta fidelidade e outra de um dispositivo móvel com fone sem fio e outros pequenos módulos.
A maioria das funções que foram desenvolvidas nesses últimos dez anos para smartphones já estavam nos meus projetos. Um exemplo é a conexão com videocâmera. Na época, já havia a intenção de unir imagem e áudio.
Reprodução
Stereobelt: portátil tinha mais de uma entrada de fone para compartilhar o som
UOL Tecnologia: Quando foi o registro da patente?
Pavel: Isso tudo ocorreu entre 1976 e 1978. O registro da patente foi feito em 5 de outubro de 1978.
UOL Tecnologia: Houve a recusa da Sony ao seu projeto e você contatou a Brionvega (uma empresa italiana de eletrônicos), que se interessou em desenvolver o Stereobelt . Vocês chegaram a lançar algum produto?
Pavel: Tínhamos a concepção completa do sistema e o design. Estávamos fazendo o estudo sobre os lugares que poderiam fabricar o aparelho. Quando estávamos para começar a produção, a Sony lançou o Walkman. Na ocasião, a empresa italiana achou arriscado concorrer com eles e parou o projeto.
UOL Tecnologia: Quanto tempo durou a briga com a Sony? Quanto você ganhou?
Pavel: A briga durou 23 anos. Quanto ao valor, não posso falar, pois o contrato impede. Porém, li em alguns jornais que foi algo superior a US$ 10 milhões.
UOL Tecnologia: Como foi ver a substituição do Walkman, uma invenção inspirada em um produto seu, para os tocadores digitais?
Pavel: Não acho que substituiu, pois em minha patente eu já falava em formato digital. Os documentos descrevem funcionalidades. Na época, o cassete era a tecnologia disponível e, por isso, foi utilizada.
De alguma forma, minhas patentes cobriam também o iPod, pois algumas delas ainda eram válidas em 2004 – quando o eletrônico foi lançado.
Sony/Divulgação
Na imagem, o primeiro tocador portátil Walkman lançado pela Sony em 1979
UOL Tecnologia: E você chegou a processar a Apple por isso? Houve licenciamento de patentes?
Pavel: Como apenas a patente do Canadá ainda estava válida, achei que não valeria a pena lutar por US$ 500 mil. Não quis mais perder tempo com brigas judiciais
UOL Tecnologia: Como você escuta música?
Pavel: Ouço de três formas: em meu estúdio, em Milão, com alto-falantes de alta fidelidade desenvolvidos pela Universidade de Aacher. Em minha escrivaninha, tenho dois-alto falantes Bowers and Wilkins MM1 e também gosto de ouvir música por streaming, no meu smartphone.
Gosto bastante da diversidade de catálogo desses serviços. Em alguns meses, selecionei desde canções de ninar dos pigmeus, passando por coisas muito antigas e até Zeca Pagodinho.
UOL Tecnologia: Nota-se que você é muito ligado a dispositivos de qualidade. Você é contra os arquivos MP3 pelo fato de reduzirem a qualidade das músicas?
Pavel: Sou contra batalhas ideológicas e posições inflexíveis, pois não são criativas. Aprecio desde o som high-end (de alta fidelidade), em que o metro do cabo do alto-falante custa mais de US$ 200, ao MP3. Tem espaço para tudo.
UOL Tecnologia: Você agora tem trabalhado em telefonia 3D. O que é isso?
Pavel: Não posso explicar demais, senão roubam minha ideia de novo. Mas a ideia é a seguinte: a telefonia normal capta só direções, mas é possível captar direções e distâncias. O objetivo é superar o som monofônico e transportar uma experiência de imersão total para o outro.
A vida real se esconde por trás do conceito de ruído, que é combatido pela indústria. Porém, a realidade tem esse tipo de barulho.